“Acuados como estão, os oposicionistas vão se unir ou o instinto de sobrevivência vai levá-los àquele antigo dito dos tempos da Guerra de Canudos: “Em tempo de murici, cada um cuida de si”?”
Quando Fernando Henrique passou a faixa presidencial para Lula em 2002, certamente não lhe passava pela cabeça a hipótese de que Lula e o PT conseguiriam concretizar o projeto que ele e o PSDB não conseguiram: ficar mais de 20 anos no poder. A era Lula foi uma sucessão de surpresas para os seus opositores. Eles jamais conseguiram fazer a leitura correta do que estava se passando no Brasil nestes últimos 16 anos.
Quando Lula manteve os fundamentos econômicos e não mergulhou numa onda de populismo e irresponsabilidade fiscal, eles viveram o primeiro momento de perplexidade. Não tinham notado que o PT, a cada uma das derrotas anteriores de Lula, recuou um pouco do seu discurso original – meio parecido com o que fez Plínio de Arruda Sampaio, do Psol, nestas eleições – e já não era assim tão diferente.
Quando o governo Lula enfrentou a crise do mensalão, novamente entraram em perplexidade. Não esperavam que fosse por aí – por questões ligadas à ética na política – que teriam a chance de enfrentar seus adversários. Claramente não estavam preparados para criticar algo que, na essência, não diferia muito do que sempre fizeram para agregar seus parceiros políticos fisiológicos.
Quando o mundo começou a viver uma crise financeira, tiveram nova surpresa desagradável. Imaginaram que se repetiria a mesma situação de fragilidade vivida por Fernando Henrique quando ele enfrentou a sua crise. Esqueceram que, até como consequência de ações que fizeram, o país estava mais forte e a correlação de forças no mundo diferente. Não tinham notado que, conquistada a estabilidade, Lula adicionara um componente novo na fórmula, agregando ao fortalecimento dos programas sociais uma política de crédito que incrementara o mercado, aquecera a economia, que tinha alternativas internas para enfrentar a crise externa.
Pelo menos, imaginavam, Lula ficaria igual a Fernando Henrique: dois mandatos. Se não foram capazes de enfrentar – ou não quiseram – Lula e o PT mais duramente no episódio do mensalão, sabiam que todos os nomes escolhidos para suceder o presidente haviam sucumbido. Por isso, durante um bom tempo, a luta política concentrou-se em torno da hipótese de haver ou não um terceiro mandato para Lula. Não acreditavam que ele poderia sacar da manga um novo nome, sem experiência, construí-lo do nada e torná-lo presidente, como Lula fez com Dilma. José Serra levou meses achando que bastava não se mexer que conservaria sua liderança e ganharia a eleição. Quando percebeu que, assim, só facilitava os movimentos de Lula para tornar Dilma conhecida, já era tarde demais.
Concluída agora a eleição, com a vitória de Dilma, a oposição atingiu seu grau de perplexidade máxima. Nestes primeiros dias depois do segundo turno, PSDB, DEM e PPS simplesmente não sabem ainda o que fazer. Não sabem como sobreviverão a pelo menos mais quatro anos – mas, muito provavelmente, oito (e, quem sabe, outros oito, se Lula voltar em 2014)– fora do poder. Não sabem como construirão seu discurso para se contrapor a Dilma. Não sabem como se recomporão. Simplesmente ainda tentam entender.
Um dos nomes mais ligados a Serra no PSDB, o deputado Jutahy Júnior (BA) é um dos que agora fazem essa reflexão. Na semana passada, conversamos por cerca de meia hora. A primeira impressão já maturada na cabeça dele, e de certa forma ruminada nas reuniões de avaliação que os tucanos fizeram após a derrota, é que de fato eles subestimaram o poder das mudanças sociais e econômicas que aconteceram no país especialmente no segundo mandato de Lula. “O que nos derrotou foi o grau de satisfação das pessoas com a situação em que vivem”, admite Jutahy. “Agora, isso gerou um raciocínio de voto absolutamente pragmático”, completa. “Se algo na vida do cidadão começar a dar errado, esse voto migra na hora”, conclui. Ou seja: o PSDB continua esperando por algum fracasso no horizonte.
Mais importante do que isso, porém, é encontrar a construção de algum discurso alternativo. “Isso é mais do que necessário”, diz Jutahy. “Há comportamentos no governo petista que a sociedade não aprova, e isso ficou claro na forma como se condenou o episódio Erenice Guerra e se levou a eleição para o segundo turno”, continua. “O caminho para a construção de um discurso está na condenação do aparelhamento do Estado, na ineficiência de uma máquina administrativa baseada no compadrio, que não valoriza a meritocracia”, analisa.
Com Dilma, que não tem tanto nos elementos que construíram sua biografia os fatores para se transformar num mito como Lula, talvez se forme um ambiente mais fácil para se exercer a oposição. O discurso pode se formar por onde sugere Jutahy. O problema é que, para ter sucesso, é preciso que a ação seja homogênea, e tenha unidade. Neste momento em que a oposição junta seus casos, não é, porém, o que se evidencia.
Esfacelado, parte do DEM tem cada dia mais saudades do tempo em que desfrutava das benesses do poder e avalia se o melhor, então, não seria virar mais um gominho na geleia peemedebista. No PSDB, a pauliceia ligada a Serra resiste à ideia de que seu tempo passou e que é mesmo hora de entregar o cetro para Aécio Neves. Esse é o que parece ter mais certezas. Mineiramente, aguarda o momento, mas imagina que está no lugar certo para virar a referência oposicionista. Mas o tom do seu discurso será o que os demais na oposição esperam? Aécio terá seguidores entre os que até agora seguiram Serra? Acuados como estão, os oposicionistas vão se unir, ou o instinto de sobrevivência vai levá-los àquele antigo dito dos tempos da Guerra de Canudos: “Em tempo de murici, cada um cuida de si”? (Murici é uma frutinha do Norte/Nordeste que tem um período de safra muito curto. Quem quiser comê-la, tem de cuidar de si, diz o ditado. Que foi utilizado pelo coronel Tamarindo, substituto do coronel Moreira César, no terceiro cerco a Canudos. Quando o Exército caiu de novo nas armadilhas montadas pela guerrilha de Antonio Conselheiro, Tamarindo usou a frase para comandar a retirada).
“Temos que manter a unidade do segundo turno. Isso é vital para nós”, prega Jutahy
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