Ao mesmo tempo em que tenta adiar a discussão sobre o Código Florestal, enviando novo projeto, como informou o Congresso em Foco, governo Lula coloca como prioridade projeto que coloca biomas brasileiros em risco
Projeto de lei que o governo colocou na pauta como prioridade aumenta risco de desmatamento no país
Renata Camargo
A pouco menos de dois meses da transição de governo, o presidente Lula poderá encerrar seu mandato com a sanção de uma lei que possibilita ampliar legalmente o desmatamento no Brasil. Ao mesmo tempo em que tenta adiar para a próxima legislatura a polêmica sobre o novo Código Florestal, como informou o Congresso em Foco, o governo coloca como prioridade no Congresso a aprovação de um projeto de lei que, da forma como está, poderá contribuir para aumentar a devastação na Amazônia e em outros biomas brasileiros.
Na semana passada, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, entregou ao líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), uma lista de propostas que o Executivo deseja ver aprovada ainda neste ano. A primeira delas é o polêmico Projeto de Lei 01/2010, que fixa as normas de competência e cooperação entre União, estados e municípios em matéria ambiental, e está em análise no Senado.
“Toda licença para desmatamento é competência dos estados. Esse projeto diz que somente o órgão licenciador poderá multar se houver ilegalidades, mas os órgãos estaduais têm capacidade muito menor que o Ibama, por exemplo, para fiscalizar. Então, um cara que pedir licença para desmatar uma área tal, na verdade, poderá desmatar oito vezes esse tamanho e o estado não terá controle", explica o coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Nilo D'Ávila, apontando para a necessidade de ajustes no projeto.
Aguardada desde a criação da Constituição de 1988, a proposta foi originalmente apresentada em 2003, sob a forma de Projeto de Lei Complementar nº 12. Em dezembro do ano passado, o projeto de autoria do deputado Sarney Filho (PV-MA) foi aprovado na forma de substitutivo elaborado pelo deputado governista Paulo Teixeira (PT-SP), que incluiu no texto pontos que atenderam a setores como a indústria e o agronegócio, o que desagradou os ambientalistas.
Fundamental para reduzir os conflitos de competência entre os entes da Federação, especialmente no que tange ao licenciamento ambiental, o PL 1/2010 regulamenta o art. 23 da Constituição. Na prática, a proposta aprovada na Câmara dá mais poderes aos órgãos ambientais estaduais, enquanto retira da União prerrogativas como aplicar penalidades em obras regionais com ilegalidades e enfraquece entidades consultivas como o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente).
Direto à sanção
O PL 1/2010 está para ser analisado na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado. A matéria está sob relatoria do próprio líder Jucá, que se tornou relator em julho deste ano. Segundo a assessoria de Jucá, o parecer do projeto ainda não foi concluído, mas pode ser dado nos próximos dias. Se seguir a recomendação do governo, o líder da base apresentará parecer pela aprovação da matéria sem alterações.
O governo pretende aprovar a matéria sem discussões de mérito no Senado. A estratégia é aprovar o projeto sem modificações para que a proposta siga direto para sanção presidencial, para se tornar lei ainda neste ano. A tática de evitar modificações no texto se dá porque, caso os senadores façam ajustes na proposta, o projeto tem que obrigatoriamente voltar para a Câmara, onde só deverá ser votado a partir do próximo ano.
No Senado, o projeto já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde foi aprovado texto igual ao vindo da Câmara, sem qualquer modificação. Naquela comissão, a matéria foi relatada pela senadora ruralista Kátia Abreu (DEM-TO), que rejeitou três emendas da senadora Marina Silva (PV-AC), que pediam ajustes no texto.
Entre as emendas de Marina, estava uma que propunha manter como competência da União a prerrogativa de licenciar empreendimentos que causem significativo impacto ambiental regional ou nacional, reconhecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Na justificativa, Marina afirma que o texto aprovado na Câmara tenta “esvaziar as atribuições que o Conama exerce”.
Polêmicas
O ponto mais polêmico se refere à competência exclusiva dada ao órgão licenciador para multar empresas que descumprirem a legislação ambiental. De acordo com o texto aprovado na Câmara, obras como a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, licenciada atualmente pelo Ibama, deverão passar a ser licenciadas por órgãos estaduais e, dessa forma, caberá aos estados autuar esses empreendimentos em caso de irregularidades. O Ibama, no caso, seria impossibilidade de vetar uma obra em caso de ilegalidades.
Na avaliação de ambientalistas, isso pode aumentar a impunidade e agravar problemas ambientais. Eles temem que órgãos estaduais e municipais sejam mais suscetíveis a interesses políticos e que, portanto, ampliem a emissão de licenças sem procedimentos técnicos e sejam coniventes com irregularidades. “Estão dando autorização para desmatar, porque não haverá fiscalização na Amazônia”, disse o líder do PV na Câmara, deputado Edson Duarte (BA).
Outro prejuízo apontado por ambientalistas é quanto aos danos à fauna. O projeto prevê repassar aos estados a prerrogativa, que hoje cabe à União, de licenciar e controlar criadouros de fauna silvestre. Especialistas advertem que os órgãos estaduais não detêm conhecimento técnico na área, o que poderá, entre outras coisas, trazer prejuízos para as políticas de combate ao comércio ilegal de animais.
Para o coordenador do programa de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA), Raul do Valle, o projeto original tinha “como objetivo criar condições de cooperação entre entes federativos”, mas “uma parte essencial dele se perdeu”. Segundo do Valle, é preciso que o Senado faça ajustes na proposta. Do contrário, a proposta poderá trazer graves prejuízos à fauna e à flora brasileiras.
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