O filme "Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro", clara continuidade do primeiro, é um chute daqueles no estômago da elite política e policial do Rio de Janeiro e do Brasil. Na verdade, ele não vai muito longe do que já sugeria o primeiro. Do traficante, que expulsou no final da década de 60 a boa gente dos morros cariocas, a ponto de optar pela vida da maresia garantida pela polícia, o segundo longa metragem de José Padilha, atinge em cheio o coração do estado de direito, chegando às barbas do legislativo e do executivo sedentos de votos e, por consequência, poder.
O longametragem traz novamente como protagonista o famigerado, teimoso e curado da síndrome de pânico, capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura, agora em sua versão de "coronel Nascimento". Dez anos mais velho e maduro ele aparece logo no início dessa jornada passando mal bocados devido a uma rebelião na penitenciária de segurança máxima Bangu 1. Como punição, ao contrário do seu pupilo "Matias" (André Ramiro) - expulso do Bope -ele "cai para cima" e recebe uma promoção passando - na realidade - a ser uma espécie de comandante geral do BOPE. Neste lugar ele monta uma verdadeira célula de guerra contra o tráfico e carrega a difícil função de reorganizar e canalizar recursos para o Batalhão de Operações Especiais. Aos poucos o cinéfilo mais atento vai percebendo que o Batalhão de outrora perde a centralidade da tela e, já como Subsecretário de Inteligência de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, o coronel Nascimento descobre que atirou no próprio pé. Ao armar até os dentes o BOPE, com o caveirão aparecendo como figura privilegiada da "metáfora da guerra" junto com um helicóptero a abater bípedes humanos, Nascimento custa a perceber que abriu caminho ou "limpou a área" para uma nova roupagem do crime, tão ou mais violenta que a dos traficantes, a polícia corrupta travestida de milícia que rouba o espaço público e privatiza as favelas, hodiernamente, chamadas de zonas quentes de criminalidade ou periferia pobre.
Os policiais corruptos pulam de um lado ao outro na máquina governamental. Na tela, tanto o executivo como o legislativo se rendem ao "canto da sereia" da mídia e ao chamado populismo barato dos senhores do pedaço. Digo dos novos personagens milicianos que tomam a cena cobrando aluguéis, auxílios e apoio eleitoral àqueles que podem de uma forma ou de outra, manter as coisas tal como elas deveriam aparecer.
Longe do tráfico e com os tentáculos no lugar as milícias desenvolvem um sofisticado aparato de segurança privada movida a dinheiro e violência, de quebra, auxiliam sem maiores constrangimentos os políticos da ocasião os quais não deixam na lente de Padilha de ostentarem fortuna, luxo, mulheres e a boa vida.
A metralhadora do cineasta não é seletiva. Ela vai se descarregando para tudo quanto é lado. A morte do amigo leva Nascimento a buscar a verdade. Nas escutas que leva a efeito como chefe de inteligência descobre que além da responsabilidade da morte de Matias, a milícia providenciou com requintes de crueldade a morte de dois jornalistas que, para um bom observador, representam o calar dos mecanismos midiáticos nacionais em torno de fenômenos tão ostensivos.
O "herói" Nascimento, acostumado a matar aos montes os bobos do tráfico, aos poucos vai se rendendo ao grande poder que está em sua frente. Após deter a morte do deputado (interpretado por Irandhir Santos) que passou a denunciar as milícias e seus comparsas e também de ver cair nesse meio o próprio filho Rafael (o estreante Pedro Van Held), Nascimento, em uma emboscada não aparece desacompanhado e se livra por pouco da morte. Fato este que lhe enche de coragem para denunciar a "banda podre" da polícia e da política corrupta no Rio de Janeiro. Suas palavras são duras e acertadas no peito do deputado miliciano sem lugar e corajosamente joga a esperança de um final feliz na segurança pública no microondas recheado de corpos desde o primeiro filme. Na CPI, encontramos um coronel cansado, mas assertivo, corajoso e cheio de vigor ao denunciar que a maioria dos políticos presentes naquele plenário deveria estar atrás das grades. E vai mais longe ao afirmar que a polícia do Rio de Janeiro deveria acabar revelando que o problema da criminalidade, da violência e do tráfico de drogas é muito mais complexo do que se pensava anteriormente. É óbvio que estamos no campo da ficção, mas não creio que diante de tantas notícias e acontecimentos no mundo real estamos distantes da realidade. E a realidade sugerida por Padilha é que a violência, a criminalidade e a corrupção na polícia, agora em franca associação com as autoridades, é mais do que uma pauta que se desenvolve sem muitas adequações. Talvez ela receba - como dito - outros personagens, tão ou mais fortes que os comandantes de outrora. Em tela, o poder se materializa em um governador conivente, em deputados ambiciosos, policiais assustadores e gerentes de polícia desqualificados, promíscuos e sem escrúpulos.
José Padilha talvez mereça todos os cumprimentos devido a sua coragem e talento. Neste, ao invés de culpar o que hoje chamamos de classe média pelo desastre das drogas e pelo financiamento do tráfico, ele acordou ou foi avisado pelos autores do livro que a questão da segurança pública é "campo minado" e cheio de surpresas nos quais os policias (especialmente os de baixa patente) nada mais são do que a ponta frágil e mortal do iceberg da corrupção no Estado quando ela se mistura com a segurança pública. Padilha sobe em ombros de gigantes (digo dos autores do livro "Elite da Tropa 2", Ed. Nova Fronteira - Luiz Eduardo Soares, Cláudio Ferraz e Rodrigo Pimentel) e observa um "brasil" desconhecido por muitos, notadamente, aquele no qual os políticos e as autoridades usufruem descaradamente e sem nenhuma vergonha ou inteligência de diversas situações no intuito de ganhar dinheiro e poder, mesmo que para isso o "crime desorganizado" precise se tornar organizado sem a mínima necessidade de esconder do público/vítima a corrupção, a crueldade, a violência e a matança.
* Professor de antropologia e sociologia na UEMG
O longametragem traz novamente como protagonista o famigerado, teimoso e curado da síndrome de pânico, capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura, agora em sua versão de "coronel Nascimento". Dez anos mais velho e maduro ele aparece logo no início dessa jornada passando mal bocados devido a uma rebelião na penitenciária de segurança máxima Bangu 1. Como punição, ao contrário do seu pupilo "Matias" (André Ramiro) - expulso do Bope -ele "cai para cima" e recebe uma promoção passando - na realidade - a ser uma espécie de comandante geral do BOPE. Neste lugar ele monta uma verdadeira célula de guerra contra o tráfico e carrega a difícil função de reorganizar e canalizar recursos para o Batalhão de Operações Especiais. Aos poucos o cinéfilo mais atento vai percebendo que o Batalhão de outrora perde a centralidade da tela e, já como Subsecretário de Inteligência de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, o coronel Nascimento descobre que atirou no próprio pé. Ao armar até os dentes o BOPE, com o caveirão aparecendo como figura privilegiada da "metáfora da guerra" junto com um helicóptero a abater bípedes humanos, Nascimento custa a perceber que abriu caminho ou "limpou a área" para uma nova roupagem do crime, tão ou mais violenta que a dos traficantes, a polícia corrupta travestida de milícia que rouba o espaço público e privatiza as favelas, hodiernamente, chamadas de zonas quentes de criminalidade ou periferia pobre.
Os policiais corruptos pulam de um lado ao outro na máquina governamental. Na tela, tanto o executivo como o legislativo se rendem ao "canto da sereia" da mídia e ao chamado populismo barato dos senhores do pedaço. Digo dos novos personagens milicianos que tomam a cena cobrando aluguéis, auxílios e apoio eleitoral àqueles que podem de uma forma ou de outra, manter as coisas tal como elas deveriam aparecer.
Longe do tráfico e com os tentáculos no lugar as milícias desenvolvem um sofisticado aparato de segurança privada movida a dinheiro e violência, de quebra, auxiliam sem maiores constrangimentos os políticos da ocasião os quais não deixam na lente de Padilha de ostentarem fortuna, luxo, mulheres e a boa vida.
A metralhadora do cineasta não é seletiva. Ela vai se descarregando para tudo quanto é lado. A morte do amigo leva Nascimento a buscar a verdade. Nas escutas que leva a efeito como chefe de inteligência descobre que além da responsabilidade da morte de Matias, a milícia providenciou com requintes de crueldade a morte de dois jornalistas que, para um bom observador, representam o calar dos mecanismos midiáticos nacionais em torno de fenômenos tão ostensivos.
O "herói" Nascimento, acostumado a matar aos montes os bobos do tráfico, aos poucos vai se rendendo ao grande poder que está em sua frente. Após deter a morte do deputado (interpretado por Irandhir Santos) que passou a denunciar as milícias e seus comparsas e também de ver cair nesse meio o próprio filho Rafael (o estreante Pedro Van Held), Nascimento, em uma emboscada não aparece desacompanhado e se livra por pouco da morte. Fato este que lhe enche de coragem para denunciar a "banda podre" da polícia e da política corrupta no Rio de Janeiro. Suas palavras são duras e acertadas no peito do deputado miliciano sem lugar e corajosamente joga a esperança de um final feliz na segurança pública no microondas recheado de corpos desde o primeiro filme. Na CPI, encontramos um coronel cansado, mas assertivo, corajoso e cheio de vigor ao denunciar que a maioria dos políticos presentes naquele plenário deveria estar atrás das grades. E vai mais longe ao afirmar que a polícia do Rio de Janeiro deveria acabar revelando que o problema da criminalidade, da violência e do tráfico de drogas é muito mais complexo do que se pensava anteriormente. É óbvio que estamos no campo da ficção, mas não creio que diante de tantas notícias e acontecimentos no mundo real estamos distantes da realidade. E a realidade sugerida por Padilha é que a violência, a criminalidade e a corrupção na polícia, agora em franca associação com as autoridades, é mais do que uma pauta que se desenvolve sem muitas adequações. Talvez ela receba - como dito - outros personagens, tão ou mais fortes que os comandantes de outrora. Em tela, o poder se materializa em um governador conivente, em deputados ambiciosos, policiais assustadores e gerentes de polícia desqualificados, promíscuos e sem escrúpulos.
José Padilha talvez mereça todos os cumprimentos devido a sua coragem e talento. Neste, ao invés de culpar o que hoje chamamos de classe média pelo desastre das drogas e pelo financiamento do tráfico, ele acordou ou foi avisado pelos autores do livro que a questão da segurança pública é "campo minado" e cheio de surpresas nos quais os policias (especialmente os de baixa patente) nada mais são do que a ponta frágil e mortal do iceberg da corrupção no Estado quando ela se mistura com a segurança pública. Padilha sobe em ombros de gigantes (digo dos autores do livro "Elite da Tropa 2", Ed. Nova Fronteira - Luiz Eduardo Soares, Cláudio Ferraz e Rodrigo Pimentel) e observa um "brasil" desconhecido por muitos, notadamente, aquele no qual os políticos e as autoridades usufruem descaradamente e sem nenhuma vergonha ou inteligência de diversas situações no intuito de ganhar dinheiro e poder, mesmo que para isso o "crime desorganizado" precise se tornar organizado sem a mínima necessidade de esconder do público/vítima a corrupção, a crueldade, a violência e a matança.
* Professor de antropologia e sociologia na UEMG
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