Cidade sem avanços em acessibilidade
RENATA BRUM - Repórter
Deficientes físicos, visuais e idosos encontram os mais diversos impedimentos para transitar nas ruas de Juiz de Fora. Rebaixamentos fora dos padrões, calçadas altas, irregulares e cheias de obstáculos são resultado da falta de políticas públicas no setor, já que, desde 2003, não há desenvolvimento de projetos que garantam o ir e vir desta população. A informação é da presidente do Conselho Municipal de Portadores de Deficiência, Maria Valéria Andrade. Nos prédios públicos e particulares, escadas e poucas rampas, além da inexistência de piso tátil e placas em braile. Se os problemas existem na região Central, agravam-se nos bairros. A Tribuna, que realiza a campanha “Gentileza: faça sua parte”, acompanhou as dificuldades enfrentadas por pessoas por causa das falhas na acessibilidade.
Uma delas foi Carlos Alberto Pereira, 34 anos. Ele nunca enxergou Juiz de Fora, mas, para ele, a cidade também não o vê. “O município precisa avançar, pensar não apenas nos cegos, mas em todos os deficientes. Somos desrespeitados, esquecidos e, muitas vezes, sequer percebidos”, disse Carlos, que mora, estuda e trabalha na Associação dos Cegos. A reportagem percorreu um quarteirão com o deficiente e presenciou medidas adotadas de forma correta, mas também identificou irregularidades e desrespeito.
A maioria das dificuldades é imposta pelos obstáculos encontrados no caminho ou pela ausência de equipamentos que poderiam facilitar a vida das pessoas com mobilidade reduzida. “O pior são orelhões nas paredes. Uma vez ia ao supermercado e bati a cabeça no telefone. As garagens sem sinal sonoro são outro problema grave. Certa vez, na Rua Barão de Cataguases, perto da Escola Estadual Maria das Dores, um carro saía da garagem de ré e me atropelou. Fui atingido no tórax, e minha bengala ficou toda amassada.”
Na Avenida dos Andradas, presenciamos a dificuldade de Carlos para andar no passeio com deformidades. Na Paula Lima, foi surpreendido por um portão aberto. Como seguia com a professora de orientação e mobilidade Rosane do Carmo, não saiu ferido. “Eles seguem perto da parede para ter um referencial e, elementos surpresas, como telefones públicos, portões e postes sem piso diferenciado são um problema. Mas a principal falha é o lado humano. As pessoas não se preocupam com as outras, não pensam no próximo. São ônibus parados sobre faixas de pedestres, carros sobre rampas de acessibilidade, entre outras ações individualistas”, comentou Rosane.
Settra elabora projeto
A presidente do Conselho Municipal de Portadores de Deficiência, Maria Valéria Andrade, ressalta que “Juiz de Fora já esteve à frente do país no que diz respeito a acessibilidade, mas retrocedeu. De sete anos para cá, tivemos uma interrupção brusca das políticas públicas de acessibilidade. Quando estive no Executivo, representando os portadores de deficiência, elaborei e orcei um projeto de implantação de 500 rampas na cidade, e até hoje nenhuma virou realidade.” Para tentar mudar este quadro, o subsecretário de Mobilidade Urbana da Settra, Carlos Eduardo Meurer, garante que a Prefeitura está na fase final de elaboração de um grande projeto de acessibilidade, visando a melhoria da mobilidade para todas as categorias, desde gestantes, idosos a deficientes físicos e visuais. “Estamos nos reunindo desde o fim do ano passado para colocar em prática o Programa ‘Juiz de Fora acessível’, que será estruturado em seis módulos. O grupo de trabalho foi instituído a partir da portaria 7.204, de 20 de março deste ano, e integra representantes da Settra, Secretaria de Atividades Urbanas, Secretaria de Obras, Assessoria Especial da Pessoa Deficiente, Secretaria Social, entre uma série de outras instituições, como Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, Conselho Municipal do Idoso, Associação dos Cegos, Associações dos Surdos Mudos e Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-MG). Começaremos a implementar as mudanças pelos corredores que passarão pela reurbanização, como Andradas, Getúlio Vargas, Independência e Rio Branco, para, posteriormente, expandir para o restante da cidade.”
Rampas fora dos padrões
No próximo dia 17, representantes da Associação dos Portadores de Deficiência se reúnem com a subsecretária de Transporte e Trânsito, Roberta Ruhena, e com o subsecretário de Mobilidade Urbana da Settra, Carlos Eduardo Meurer, para discutir a implementação de medidas de acessibilidade no município. Um dos projetos, conforme um dos diretores, Vinícius Soares Arede, é a adoção de rampas de acessibilidade no comércio, além de melhoria das já existentes nas vias públicas. “O deficiente sequer pode entrar em uma loja para comprar e até andar pela rua é desafiador.”
O projeto é considerado urgente. A professora municipal Maria Ângela Froes, 50 anos, sabe bem o que é enfrentar os desafios diários da falta de acessibilidade. “Quase sempre me arrisco na rua, me exponho ao perigo porque não tem outro jeito, o que é um absurdo. A cidade precisa de uma reformulação geral. Até mesmo na região Central há falhas para todos os lados. A maioria das rampas está fora dos padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), e não há como usá-las. Era melhor que nem existissem. Uma vez, desci essa rampa e só não caí da cadeira porque estava presa pelo cinto de segurança. Ela é muito íngreme. Se o freio da cadeira falhar, vamos direto para o meio dos carros”, contou a professora, referindo-se à rampa existente na Praça do Riachuelo, sobre a faixa de pedestres, voltada para a Rio Branco, próximo ao ponto de ônibus. Sair ou chegar em casa, na Rua Bernardo Mascarenhas, no Bairro Fábrica, Zona Norte, é o maior desafio da professora. Falta de rampa, buracos nas calçadas, latas de lixo e carros parados sobre o passeio são os piores problemas.
‘Nos sentimos barrados em todo lugar’
O músico Fernando Littieri, 45, relata que os problemas se espalham para locais públicos e privados, desde consultórios médicos, teatros, e até ao Fórum Benjamin Colucci. “Vamos aos consultórios médicos e não conseguimos chegar porque não há rampas de acesso ao prédio. No fórum, implantaram uma rampa, porém colocaram um balcão fechando a passagem. Já os teatros não são adaptados. Nos sentimos barrados em todos os lugares”, desabafou. Para atender as normas e os critérios básicos da lei n°10.098 de 2000, que visa à promoção da acessibilidade a pessoas com deficiência físicas ou com mobilidade reduzida, a UFJF está com o processo licitatório eletrônico aberto até o próximo dia 16 para o fornecimento e instalação de um elevador para passageiros no Fórum da Cultura. Segundo o diretor do Fórum, José Luiz Ribeiro, “a intenção é promover a acessibilidade, pois o forum recebe um grande número de pessoas do Núcleo da Terceira Idade e também cadeirantes.”
População idosa reclama do tratamento
Mesmo com 11% da população na terceira idade, com média de idosos superior à brasileira, a cidade não atende às necessidades de quem, com o tempo, vai perdendo a mobilidade. As dificuldades são muitas, como calçadas altas, buracos e ondulações nas faixas de pedestres, e tempo reduzido para travessia. Com isso, os tombos e os acidentes são frequentes. A aposentada Leda Peterman, 72 anos, conta que chegou a cortar a testa após cair na Rua Mister Moore. “Fui subir no meio-fio, acho que estava muito alto ou não levantei bem o pé, e tropecei. Caí com o rosto no chão. Hoje ando com muito cuidado, porque é buraco e ondulação para todos os lados. Até no asfalto, na pista dos ônibus, a faixa de pedestres está ondulada, o que é um perigo.”
Também aposentada, Maria Ribeiro Batista, 67, já precisou engessar o pé por duas semanas após uma torção. “Caí na Rua Espírito Santo por causa de um buraco na calçada. Estava descendo o morro e não tive como evitar.” Maria da Conceição Ribeiro, 72, afirma que a altura dos meios-fios e o buracos são ruins para os idosos. “Nessa fase da vida, temos osteoporose, e os ossos ficam mais fracos. Um degrau muito alto é difícil de descer. Fora isso, andar pelas ruas está muito arriscado com causa das calçadas mal conservadas.” Já para Estela Maria Dutra, 66, a pior falha é o tempo nos semáforos de pedestres. No cruzamento da Marechal Deodoro com Getúlio Vargas acho que o tempo não é mais do que sete segundos. “Tem hora que não dá para atravessar. Estamos no meio da rua, e abre. A Prefeitura precisa pensar que temos mais dificuldade de locomoção.”
Tribuna de Minas: Juiz de Fora - 9 de junho de 2010, quarta-feira